terça-feira, 26 de outubro de 2010

GUIA TRAIÇÃO MUNDIAL


Titulo original:
O guia mundial da infidelidade
Texto: Fernanda Colavitti


Uma jornalista americana pesquisa oito países para descobrir como e por que as pessoas traem - e como seus parceiros reagem. No Brasil...

CLÁUDIA, 45 ANOS
Ela é casada há 20 anos e trai o marido há dez, "sem peso na consciência"

Durante os 20 anos de seu casamento, ela foi infiel ao marido uma única vez. Envolveu-se com um colega de trabalho com o qual trocava e-mails e passou a manter encontros clandestinos em estacionamentos. O caso durou um ano. Quando seu marido descobriu, já tinha acabado há tempos. Mas seu casamento gira em torno dessa aventura até hoje. O marido não pediu divórcio, mas tampouco conseguiu superar. Quando o casal está junto - a maior parte do tempo, pois ele só permite que ela saia sozinha para trabalhar -, o assunto é a traição. O marido costuma pedir detalhes de todos os encontros clandestinos com seu amante, enquanto os dois caem em prantos. Ele aprendeu nos livros de autoajuda e nos grupos de terapia que essa é a melhor maneira de se recuperar do trauma. É a chamada cura pela confissão, um método popular de tratamento para esse tipo de drama nos Estados Unidos - o país ocidental onde as pessoas dizem sentir mais culpa e sofrer mais com as traições.

Esse pequeno relato do inferno faz parte do livro Na ponta da língua, da jornalista americana Pamela Druckerman, que será lançado no Brasil em agosto. Ela visitou oito países para pesquisar como diferentes culturas lidam com as "viradas furtivas à esquerda", com os "maravilhosos intervalos" ou com a "saída da estrada", como os russos, indonésios e japoneses se referem, respectivamente, àquilo que, em bom português, chamamos de pular a cerca. Pamela não fez uma obra científica, fez um relato jornalístico em que as expressões idiomáticas variam e as reações sociais também, mas a traição aparece como uma constante universal. A ideia de pesquisar o adultério veio depois que Pamela viveu um tempo na Argentina e no Brasil, trabalhando como correspondente do Wall Street Journal. Ela ficou intrigada com a quantidade de propostas indecorosas que recebeu de homens casados e resolveu entender melhor como funcionam (ou não) as regras de fidelidade.

O resultado é esclarecedor. Numa visão panorâmica, saltam aos olhos os diferentes comportamentos de países pobres e ricos. Nos pobres, os homens traem mais e as mulheres menos. Nos países ricos, ambos traem menos. "O que fica claro não é a moral de cada um, mas a dependência econômica das mulheres", disse Pamela a ÉPOCA. Quando se volta para cada um dos países que estudou, fica clara a existência de várias culturas sexuais, que se refletem na linguagem. Na França, ao entrevistar um pesquisador do que seria o Ministério da Saúde, ela foi interrompida no meio de uma frase ao usar a expressão "infidelidade". Agitado, o estudioso explicou que não admitia o uso dessa palavra porque ela tinha conotação religiosa. "Nós chamamos de multirrelacionamentos simultâneos", disse o francês. Na Nigéria, ela descobriu que homens e mulheres dizem estar "trabalhando na rede do sexo" quando estão enganando o cônjuge. Eles não acham que estejam fazendo nada errado ou passível de punição.

Para além das diferenças das palavras, Pamela descobriu em suas viagens um universo sexual e conjugal que varia enormemente. O exemplo mais espetacular é o Japão. Lá as lojas não vendem colchões de casal. Mesmo casadas, as pessoas dormem separadas. Quando nasce o bebê, a mãe se muda para um quarto com ele, e ali fica por cinco ou seis anos. Em seu lugar, no quarto do casal, o marido costuma pôr um sistema de som e uma TV de muitas polegadas. Intimidade como nós a conhecemos não existe. Nesse cenário, claro, a traição é uma rotina. As mulheres mais jovens procuram amantes e os homens vão aos clubes de cortesãs, onde pagam para conversar. A cultura de discrição facilita a prática do adultério.

A Rússia, por várias razões, é outro país peculiar. Depois de 72 anos de comunismo, a religiosidade e o sentimento de pecado foram quase abolidos. Quando desapareceu também a repressão do regime, no início dos anos 90, a sociedade caiu na farra. Hoje em dia, os russos - homens e mulheres - se orgulham da desenvoltura com a qual traem."Foi o único lugar que eu visitei em que as pessoas se vangloriam de ser infiéis", diz Pamela. O Brasil não entrou na pesquisa do livro, mas certamente teríamos algo a ensinar. Por aqui, 21% dos homens casados ou que vivem com companheiras e 11% das mulheres na mesma situação disseram ter relações sexuais extraconjugais. O levantamento nacional foi divulgado no mês passado pelo Ministério da Saúde. Esses índices nos aproximam dos africanos e nos deixam a quilômetros de países como Estados Unidos, França e Itália, onde cerca de 3,7% dos homens e 3,1% das mulheres admitem enganar seus parceiros. No Brasil, a cultura sexual é bem mais liberal. "Se o parceiro não souber, não existe culpa. Ela só aparece quando o caso é descoberto", diz a antropóloga carioca Mirian Goldenberg, autora do livro Infiel. "Eu não diria nem que é culpa, mas sim arrependimento. O importante não é ser fiel, mas o outro acreditar que você é." Nesse ponto, somos parecidos com os franceses e totalmente diferentes dos americanos.

A socióloga paulistana que prefere ser identificada como Cláudia, de 45 anos, é um exemplo dessa maneira de lidar com a infidelidade. Casada há 20 anos, ela mantém um caso extraconjugal há dez, com um colega de trabalho, também casado. O affair começou quando ela estava na faculdade e seguiu depois do casamento dela. E dele. Ela diz que se dá bem com o marido, mas que o amante é uma história à parte: alguém com quem ela se dá bem intelectual e sexualmente e que a tira da rotina do casamento. "É o lado leve. Você está junto só para fazer coisas agradáveis. É uma espécie de lado B meu", diz ela. E é justamente por isso que Cláudia diz não ter conflitos internos. "Considero isso uma parte totalmente separada da minha vida oficial, que não interfere no meu casamento. Não sinto peso na consciência", diz ela, que, inclusive, mantém um blog onde conta suas aventuras amorosas.

Outro estereótipo que não se confirma na prática é o do machão inflexível, que não perdoa jamais uma traição. "Eles são capazes de superar sim, contanto que os outros não saibam. O maior problema masculino é a imagem de corno, não a traição propriamente dita. Eles geralmente não querem terminar a relação", diz Mirian. Exatamente como o empresário paranaense Gustavo, de 30 anos. Ele descobriu que sua atual mulher e então namorada o tinha traído algumas vezes, inclusive com um ex-namorado de quem sempre desconfiou. Apesar de sua reação explosiva - ele diz que, para não dar um soco na cara da namorada, esmurrou a parede e quebrou a mão -, ele continuou o namoro. "Como eu não era carinhoso, atencioso, motivos que ela alegou para me trair, e a gente brigava muito, resolvi assumir um pouco da culpa nisso tudo e segui em frente", diz ele. Apesar das brigas e desconfianças, continuaram juntos e casaram. Aí veio a segunda traição. Gustavo diz que foi em um período no qual ele estava trabalhando muito e não tinha tempo para a mulher, que acabou transando com um colega de trabalho. Ele descobriu por meio da mulher do tal colega. "Dessa vez já estava vacinado. Não foi terrível, mas foi bem difícil. Pensei em me separar, mas, como ela insistiu muito, chorou, implorou, e como eu a amo, perdoei mais uma vez", diz. Gustavo diz que não superou: "Fico com a pulga atrás da orelha, pensando que pode acontecer de novo".

Pamela conclui seu estudo dizendo que, apesar de a monogamia ser o ideal em quase todo o mundo, as pessoas tendem a aceitar que é normal para pessoas casadas ter pequenos flertes e atrações e, às vezes, algo mais. Isso não quer dizer que a infidelidade não machuque e cause prejuízos emocionais. Por isso ela aconselha a fazer como os franceses: "Encare a traição como uma parte desagradável do conto de fadas, não como o fim da história".

Infidelidade pelo mundo
Como as diferentes culturas lidam com a traição

CHINA
O crescimento econômico e o aumento da privacidade criaram oportunidades para a traição. Há um esforço para banir o adultério entre as autoridades, visto como a principal causa de corrupção no país. Acredita-se que os políticos precisariam roubar para atender às demandas de suas amantes

ESTADOS UNIDOS
Os americanos são os que mais sofrem com a infidelidade, tanto na posição de culpado quanto na de vítima. A descoberta de um adultério é tão grave que sites especializados descrevem a situação como o "Dia D", em alusão ao desembarque das tropas aliadas na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial

FRANÇA
Não faz jus à fama de país da infidelidade. As estatísticas mostram que os franceses enganam tanto quanto os americanos e não são indiferentes à traição. Pesquisas de opinião mostram que a fidelidade é a qualidade mais importante que as francesas procuram num parceiro

INDONÉSIA
Único país muçulmano pesquisado, lá a poligamia é legal, apesar de não parecer uma boa ideia para a maioria das mulheres, que se envergonham de ser a segunda esposa. Já para os homens, a poligamia é a justificativa para a fidelidade: homens com uma única esposa traem

JAPÃO
Já que não é costume conversar sobre problemas cotidianos com os parceiros ou fazer sexo regularmente, são amantes e prostitutas que cumprem essas funções no Japão. Os homens de negócios não acham que pagar por sexo seja traição. As esposas concordam. Culpa é uma palavra desconhecida

RÚSSIA
Os russos aprovam a infidelidade mais do que as pessoas de qualquer dos países do estudo. Eles não sentem a menor culpa por mentir e não esperam fidelidade do parceiro. Ter uma relação fora do casamento durante uma viagem não é considerado traição


Papo rápido > Pamela Druckerman

De sua casa, em Paris, a jornalista falou a ÉPOCA sobre suas aventuras em busca de traição

Durante o tempo em que você morou no Brasil, qual foi sua percepção sobre a infidelidade por aqui?
Pamela Druckerman - O que mais me impressionou foi o

fato de os homens casados se vangloriarem de suas
infidelidades entre amigos. Nos Estados Unidos, isso é um segredo absoluto, e os homens sentem vergonha ou medo de contar que estão traindo. Minha impressão é que aí há uma aceitação maior de que a libido masculina, inevitavelmente, leva à traição. Também tive a impressão de que as mulheres brasileiras são muito vigilantes e protetoras em relação a seus maridos. Elas sabem o risco que correm.

Chamar um homem de corno é um dos xingamentos mais ofensivos aqui. Você notou isso em algum outro país?

Pamela - Conheço a palavra, ela é conhecida nos Estados Unidos também, mas lá a expressão "cônjuge traído", que sublinha a existência de uma vítima, é a mais usada. Acredito que nos países em que existe a cultura do "macho", como no Brasil e na Itália, a expressão seja mais ofensiva. Na Itália, os torcedores de times adversários também se xingam mutuamente de corno.

Você pesquisou sobre o papel das tecnologias (como celular e internet) nas traições?

Pamela - A maioria das infidelidades que investiguei envolvia algum tipo de tecnologia. Nos países mais pobres, quase todos se comunicam com seus amantes por meio de SMS. Nos ricos, por e-mail.

Você é casada. Depois dessa imersão no mundo da traição, como ficou sua percepção sobre fidelidade e casamento ?

Pamela - Estou tentando adotar a visão francesa, segundo a qual a traição pode ser uma desagradável parte do conto de fadas, mas não o fim da história.


Nenhum comentário:

Postar um comentário